sábado, 13 de novembro de 2010

Espiritualidade

Por Walt Whitmann


"Quero fazer os poemas das coisas materiais,
pois imagino que esses hão de ser
os poemas mais espirituais.
E farei os poemas do meu corpo
E do que há de mortal.
Pois acredito que eles me trarão
Os poemas da alma e da imortalidade.
E à raça humana eu digo:
-Não seja curiosa a respeito de Deus,
pois eu sou curioso sobre todas as coisas
e não sou curioso a respeito de Deus.
Não há palavra capaz de dizer
Quanto eu me sinto em paz
Perante Deus e a morte.
Escuto e vejo Deus em todos os objetos,
Embora de Deus mesmo eu não entenda
Nem um pouquinho...
Ora, quem acha que um milagre alguma coisa demais?
Por mim, de nada sei que não sejam milagres...
Cada momento de luz ou de treva
É para mim um milagre,
Milagre cada polegada cúbica de espaço,
Cada metro quadrado de superfície
Da terra está cheio de milagres
E cada pedaço do seu interior
Está apinhado de milagres.
O mar é para mim um milagre sem fim:
Os peixes nadando, as pedras,
O movimento das ondas,
Os navios que vão com homens dentro
- existirão milagres mais estranhos?" 



terça-feira, 17 de agosto de 2010

Deixe-me ser!


Por Karina Lubascher Miragaia

“Aumento de santidade significa, entre outras coisas, aumento de sensibilidade para o que Deus é e, consequentemente, uma avaliação mais clara da própria pecaminosidade e das limitações particulares, e daí um reconhecimento intensificado da constante necessidade da misericórdia perdoadora e purificadora de Deus. Todo o crescimento em graça é crescimento para baixo, a este respeito” ¹

   Estou cansada do discurso que não me permite mais ser humana. A vida tem que ser sobrenatural. As conquistas têm que ser sobrenaturais. Os cultos têm que ser sobrenaturais (o que se dirá então do período de louvor). Até a vida devocional tem que ser fora do comum. Todos sobrenaturalmente ouvem a sobrenatural voz de Deus. Todos sentem Sua presença. Sempre. Todos têm palavras e promessas e é o Espírito Santo quem permite tais “experiências”. O Espírito Santo me faz ter arrepios na presença de Deus; me faz vencer em todas as batalhas; me faz viver como um filho de rei; me faz sempre saber o que fazer, o que falar, o que pensar, o que gostar, o que ver, o que ouvir, onde ir e com quem ir. E esse é o sinônimo de santidade: eu sou santo por que falo de certa maneira, por que tenho certas ideias, conceitos e suposições, por que gosto e ouço certas coisas, ou melhor, por que não gosto e não ouço outras coisas, por que frequento certos lugares e nem penso em ir a outros, por que ando com pessoas iguais a mim, por que acredito em tudo, por que nunca duvido ou contesto nada, por que minhas escolhas são sempre certas e sempre darão no fim certo, por que sempre sei que atitude tomar, por que nunca estou cansada das atividades, por que estou feliz sempre, por que eu sinto, ouço, tremo, choro, grito, por que eu sempre tenho fé, por que Deus sempre me responde quando tenho fé, por que não haverão limites pra mim, por que eu vou conquistar, por que sempre tenho que crescer, por que glorifico a Cristo e conheço a Deus fazendo tudo isso e, finalmente, por que tudo isso me dá e dá aos que me veem a impressão de que não tenho fraquezas.

   Quero, entretanto, poder ver e deixar que vejam em mim meus temores, minhas dúvidas, cansaços, incertezas, escolhas erradas, limitações e fraquezas. Quero ter o direito de nem sempre saber que caminho tomar, de nem sempre ter a certeza de tudo, de nem sempre saber o fim das coisas e nem mesmo sempre querer saber. Quero duvidar sem culpa. Quero poder admitir meus gostos e preferências. Quero nem sempre ter o que dizer. Nem sempre sentir algo sobrenatural quando oro ou perceber audivelmente a voz de Deus quando o busco. Quero sentir a falta doída de Deus quando me afasto dele. Quero viver a experiência do vazio dele em mim, pois isso me faz amá-lo e querê-lo com todas as minhas forças. Sei que minhas escolhas às vezes me levarão a fins indesejados, justamente por que são escolhas e por que são minhas, e eu quero fazê-las. Eu devo fazê-las. E, principalmente, quero glorificar a Cristo exatamente como sou: frágil, pecadora, finita, limitada, fraca, humana. Perceber a obra do Espírito Santo reside nesse paradoxo. Ver Cristo glorificado através e apesar da minha humanidade. Crescer na santidade que me faz parecida com ele à medida que cresço no conhecimento da minha podridão. Depender exclusivamente do Espírito Santo sabendo que tenho que agir como humana. Ser cheia dele para enxergar sua mais sobrenatural obra: Deus ressalta a fraqueza daqueles que ele salva e usa ². Sobrenatural é glorificar a Cristo com ressaltadas todas as implicações a que o ser humana me traz. Santidade é exatamente o reconhecimento da minha pecaminosidade que vem através da percepção de quem Deus é e que me leva de volta a ele. É reconfortante saber que o fim de todas as coisas é Cristo, não eu, pois nada de bom habita em mim. Quero crescer sim, mas em um crescimento da graça de Cristo que me faz diminuir a cada dia. Sei que serei usada pelo Espírito Santo quando todos estiverem vendo minha escuridão e como ela não engolirá, pelo contrário, só aumentará a luz e o brilho de Cristo. Essa é, pois, a obra do Espírito no ser humano e quero que ele a complete em mim todos os dias. Graças Te dou, por que me criastes humana e permites-me viver como tal. Ressalta minhas fraquezas, Deus, pois Tu me salvaste e me usas.


¹ PACKER, J.I. Na dinâmica do Espírito Santo. São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 103
² Ibid, 2010, p. 81