A.P.


Bendito

Louvados sejas Deus, meu Senhor,
porque o meu coração está cortado a lâmina,
mas sorrio no espelho ao que,
à revelia de tudo, se promete.
Porque sou desgraçado
como um homem tangido para a forca,
mas me lembro de uma noite na roça,
o luar nos legumes e um grilo,
minha sombra na parede.
Louvado sejas, porque eu quero pecar
contra o afinal sítio aprazível dos mortos,
violar as tumbas com o arranhão das unhas,
mas vejo Tua cabeça pendida
e escuto o galo cantar
três vezes em meu socorro.
Louvado sejas porque a vida é horrível,
porque mais é o tempo que eu passo recolhendo despojos,
– velho ao fim da guerra como uma cabra –
mas limpo os olhos e o muco do meu nariz,
por um canteiro de grama.
Louvados sejas porque eu quero morrer,
mas tenho medo e insisto em esperar o prometido.
Uma vez, quando eu era menino, abri a porta de noite,
a horta estava branca de luar
e acreditei sem nenhum sofrimento.
Louvado sejas!


Acácias

Minha alma quer ver a Deus.
Eu não quero morrer.
Quero amar sem limites
E perdoar a ponto de esquecer-me
Radical, quer dizer pela raiz
O perdão radical gera alegria
Exorciza doenças, mata o medo
Dá poder sobre feras e demônios
Falo. E falo é também membro viril,
Todo léxico é pobre,
Idiomas são pecados;
Poemas, culpas antecipadamente perdoadas
Eis, esta acácia florida gera angústia
Para livrar-me, empenho-me
Em esgotar-lhe a beleza
Beleza importuna,
Magnífica insuficiência,
Porque ainda convoca
O poema perfeito.


A Duração do Dia,  entrevista com Adélia Prado
http://luzdeluma.blogspot.com.br/2011/03/duracao-do-dia.html 


Eu acho que se tudo pudesse ser dito em poesia [...]. É preciso ter humildade pra aguentar fazer uma coisa que é maior que você. O livro é maior que você, ele é melhor, eu tenho certeza absoluta disso. Por isso que as vezes é ruim conhecer artista, poeta..são pessoas ordinárias [...]. É uma proteção contra a inflação do ego. Porque, se me pergunta
 da onde vem isso, e eu fico lembrando.. da onde que vem isso? Não sei explicar [...]. Qualquer poema verdadeiro é maior que seu autor, eu tenho certeza. O perigo é a gente se confundir com a boniteza do poema, com a excelência do poema, da obra que sai de suas mãos [...]. Todo mundo entende poesia! [...]. A pessoa foi tocada onde a humanidade dela foi confirmada. Para mim a definição mais perfeita de poesia é a 'revelação do real'... experiência de epifania, alguma coisa salta.

Jornal da Poesia, entrevista com Adélia Prado
http://www.revista.agulha.nom.br/castel15.html

De que modo você separa experiência literária de experiência religiosa? 
Não separo, para mim elas são a mesma coisa. Muitos poetas, aqueles que se dizem ateus, apesar da grande poesia que fazem, não ligam uma coisa à outra. Mas a poesia é um fenômeno de natureza religiosa, pois tem um papel fundador, que me conecta ao centro do ser. Deus é o grande problema e a grande platéia, tanto que eu engano os críticos. Mas não engano Deus. 



A experiência do Prazer 
http://medei.sites.uol.com.br/penazul/geral/entrevis/prado.htm

O que é o mal? Acho que é a recusa de Deus e de sua obra. É um assunto dificílimo. Não querer aceitar a condição de criatura. Parece que é por aí. A questão do orgulho.


A estética do Sagrado
http://azevedodafonseca.sites.uol.com.br/0917ap.html


Poesia e Filosofia
http://www.grupotempo.com.br/tex_adelia.html

O terreno, para mim, da fé, que é a coisa mais livre que tem. É o "Curvai-vos!" se você não se curvar, você não fica livre.


Adélia Prado, a simplicidade de um estilo

Eu só tenho essa vozinha pra olhar o mundo. É com essa lente limitada que eu vou experimentando o mundo, naquilo que ele tem de beleza, vira poesia [...]
Toda obra tem o objetivo atingir momento poetico.. e isso só acontece quando ela vibra poeticamente. O autor é instrumento de algo que é maior que ele.. é oraculo para algo que diz através de você, pra tocar o outro [..]
Você toca em algo maior, melhor, mais bonito, eterno, que provoca a sensação de sentido.. é o divino.
A alma quer adorar, quer se prostar, quer reverenciar algo que é maior que si.. é isso que dá segurança, consola, conforta.
É na pequena experiência da vida que eu dou resposta ao absurdo da existencia e do mundo [...]
É a fome da alma, do espiito.. você quer sempre além.
Fora da poesia o religioso nao se apresenta porque ele é poético por natureza.
Ao religioso você nao aceita, você adere.. com a arte é a mesma coisa. A natureza do religiooso e da poesia é igual.
A vingança da poesia é essa, ela ser maior que a gente.