quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Promessa de Ano Novo

Por Karina Lubascher Miragaia

“Você é tão mais engraçada escrevendo”, foi o que ouvi de uma amiga um tempo atrás. Decidi escrever com mais freqüência. Decidi não, prometi. “Promessa de Ano Novo” foi. Promessa de Ano Novo tardia, fiz no dia 9 de janeiro. Prometi pra mim mesma, estou mais acostumada a me decepcionar. “Mas, promessas não se quebram!”. Não quando se tratam dos outros, fica chato explicar-se. Como já me expliquei pra mim milhões de vezes, eu sempre me desculpo. Ou, pelo menos, finjo que explico e finjo que me entendo. Até aí, tudo certo. Agora, voltando à promessa. Melhor, voltando à frase da minha amiga. Talvez eu concorde com ela. Com certeza eu concordo com ela. Eu concordo com ela em partes. Não “mais engraçada”, mas, “mais eu”. Talvez eu seja mais eu escrevendo. Engraçada eu não sou nunca. Não sei como alguém pode ser mais de si mesmo em certos momentos, mas talvez esse alguém possa, em alguns deles, ser só metade de si. Talvez, na frente dos outros, esse alguém realmente seja só metade de si, não fale muito, não se expresse muito, só observe, pra depois ter um turbilhão tagarela de idéias silenciosas pra colocar no papel. Péssimo hábito desse alguém. Ou, talvez, o “colocar no papel” seja somente projeção de quem esse alguém quer ser, mas não é. Esse alguém é um chato então. Mas, talvez, realmente seja mais fácil ser o todo de si quando sozinho consigo e, isso, creio ser comum a todos os alguéns. Sozinho não há medo de expressar-se, de expressar-se totalmente, nos seus podres, nos seus falsos, nos seus amargos. Mente quem diz ser assim na frente de todos. “Sou sincero”, dizem eles. Desculpa pra ser mal educado, inconveniente. Talvez seja “mais fácil” quando sozinho consigo, porque não há ninguém pra convencer, pra discutir, pra concordar, pra discordar ou pra argumentar além de si. E, como já disse, é sempre mais fácil auto entender-se. Escrever é estar sozinho consigo. Escrever é ser o todo de si. É colocar tudo pra fora, é pensar o que se quer, é falar o que se pensa, é ser autoritário. “Quem manda aqui sou eu e ninguém discorda de mim!”. “Ora, ainda podem discordar de você ao lerem seu texto”. Falou precisamente, “ao lerem”. Aí já não é mais escrever, é ler. Ler é, como diz essa minha mesma amiga, algo como “agora já foi”. Você já foi o todo de si, agora tem que lidar com as repercussões causadas pelos que só conhecem sua metade. “As palavras são lâminas de dois gumes, é falar e sujar-se”, disse Adélia Prado. Enquanto você escreve, ninguém opina, é um ato só seu. Enquanto os outros leem, eles opinam, é um ato só deles. Mas, sobre ler eu escrevo em outra ocasião. Escrever é expressar verdades, meias verdades, a busca pela verdade, é tentar achar pressupostos, é assumir pressupostos, é pôr pra fora o caos, é ter direito ao caos, é embelezar o caos, é ser você na palavra, é ser facetas do mesmo você em diferentes palavras, é ser você diferente em cada palavra, é ser o mesmo você em todas as palavras, é saber assumir na palavra o que não se sabe assumir na voz, é ser covarde, é ser extremamente corajoso, é a maneira como você enxerga os fatos, a maneira como você fecha os olhos pra eles, é vomitar parte de si que nunca mais voltará a te integrar, é saber que tudo o que você já escreveu sempre fará parte de você, é luta pra que entendam, mas é jogar a toalha pra deixar que desvendem o seu todo de si. Não somente uma maneira especial de ver as coisas, senão também uma impossibilidade de as ver de qualquer outra maneira”, como bem disse Carlos Drummond de Andrade. Quem sabe ano que vem, no fim do mundo, eu prometa, “ao vivo”, não ser só metade de mim. Mas, esse ano, fiz a promessa de, escrevendo, ser mais de mim. E essa eu pretendo cumprir.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Querido corretor

Por Karina Lubascher Miragaia

Redação FUVEST 2011. Fiz um textinho sem vergonha sobre um tema que era mais ou menos “qual o lugar do altruísmo e da construção do pensamento a longo prazo numa sociedade que caminha ao contrário de tais valores”. Papo de gente falsa.

Adendo para o fato de que redações geram em mim uma terrível claustrofobia ideológica. 30 linhas me sufocam. Talvez, se não impusessem limites, eu escreveria em 20. Mas, por favor, não me digam 30 linhas. Dizem que, quem sabe fazer direito, não precisa exagerar, escreve pouco e diz tudo, afinal, encher lingüiça é pra disfarçar que você não tem mesmo o que dizer. “Menos é mais”, eles dizem. Queria vê-los argumentar isso numa redação de 30 linhas. “E é melhor que você escreva suas brilhantes idéias que brotam milagrosamente em somente 2 horas direto a caneta e sem rasuras, já que não haverá tempo adicional para transcrição. Ah, e escreva bem miudinho: você tem 30 linhas”. Sentença de morte.

Ignorando o fato de que talvez eu realmente não saiba “fazer direito”, gostaria de poder reescrever essa proposta de redação, agora já respirando com mais facilidade. Então, querido corretor, eis o que eu realmente queria dizer:

O fato é que ninguém mais quer alguém discursando que o importante mesmo é você pensar nos outros e salvar o meio ambiente, enquanto uma música triste toca ao fundo e fotos de crianças famintas e à beira da morte aparecem na tela. “O que você faz por essa realidade, hein?”. Lágrimas nos olhos de todos, alguns soluços inconsoláveis dos mais aparecidos. Amanhã você quer mesmo é saber se já curtiram aquela sua foto linda no Facebook, mas que, nossa, você nem reparou que estavam tirando. Fato mesmo é que até isso que acabei de dizer já virou um pouco clichê. O mundo funciona assim, ninguém realmente se importa por realidades que não as suas, talvez momentaneamente, mas quase nunca verdadeiramente. Talvez não haja mais lugar mesmo pro altruísmo e pra construção de pensamento a longo prazo na sociedade hoje, não quando você tem que escrever sobre “construção de pensamento a longo prazo” em 2 horas. Não quando você tem que escrever sobre “construção de pensamento a longo prazo que mudarão realidades futuras” quando não importa realmente o que você escreva, o que importa é que você saiba convencer bem. Percebe-se aí o meu ressentimento com provas de redação.

Talvez o altruísmo não tenha mesmo mais espaço num lugar onde tudo o que importa é “ser feliz”. Tudo o que importa é você, você feliz, você feliz agora. Afinal, você tem que se sentir bem o tempo todo, em tudo o que faz. A tão aclamada e frenética busca pela felicidade é imediatista, individualista, mas também ilusória e frustrante. No fundo, talvez ninguém nunca realmente soube o que é a tal felicidade, como se a alcança, o que se sente quando se a tem. Talvez as pessoas sejam frustradas e infelizes porque o que elas buscam, na realidade, não existe. Não acredito numa humanidade feliz fazendo o que bem entende, por que não acredito numa humanidade que entende o que faz. É isso que a caracteriza como humana. Luiz Felipe Pondé uma vez disse: “Tenho medo de homens e mulheres muito felizes. Homens e mulheres muito felizes não são homens e mulheres”.

Tampouco acredito em quem se anula pelos outros e se diz feliz por isso. Uma vez ouvi que as pessoas só batem na sua porta pra pedir algo porque você tem que aprender alguma lição de vida, uma lição de bondade e compaixão. Quando finalmente aprender, não te pedirão mais nada. Percebe que motivação continua sendo, sempre, você mesmo? A verdade é que a felicidade também não vem por atos heróicos de altruísmo, coragem, honra, atos solidários, puros e de bondade extrema. Talvez porque o ser humano não seja isso, não seja puro, não puramente bom, não seja bom o suficiente, mas seja exatamente isso, ser humano. Afinal, como também já disse Pondé, “a coragem não tem compromisso com a sobrevivência”, e tudo o que nós queremos é isso, sobreviver.

Mas, por mais que eu não acredite em mim ou muito menos em você; por mais que eu não confie na bondade que não busca recompensas dos meus atos altruístas e, logicamente, muito menos dos seus; por mais que eu realmente não ache que seres humanos serão sempre satisfeitos e realizados, sempre se sentirão bem e em paz, sempre estarão certos e sem dúvidas, enfim, por mais que eu não acredite em seres humanos sempre felizes (digo isso porque acredito em seres humanos); por mais que eu não acredite na felicidade, pelo menos não nessa com tantos “sempres”, ou nesta em que faço tudo que quero sem nunca pensar nos outros (falsa em sua essência), ou muito menos naquela em que sempre penso nos outros e nunca realmente faço o que quero (brega, muito brega em sua essência); não, por mais que eu não acredite nessas felicidades, ou não nelas isoladamente; por mais que eu não acredite, e desta vez não mesmo, que, ao ajudarmos os outros, tenhamos sempre que aprender alguma lição de vida misteriosa que o universo quer nos ensinar; por mais que eu não acredite em heróis medievais corajosos (já diz Millor que “herói é aquele que não teve tempo de fugir”) ou em bondosos e angelicais contemporâneos e, por fim, por mais que eu também não acredite na felicidade do ser humano covarde e mesquinho, eu acredito em muitas outras coisas.

Acredito em mim e em você, juntos, e na nessa nossa inconstância e confusão de motivações e sentimentos, certos, errados, egoístas, sim, egoístas e mesquinhos, covardes, mas também bondosos, compassivos, corajosos e, quantas vezes, quão grandemente corajosos, e que, de vez em quando, realmente fazem algo de bom por alguém; acredito que ajudar próximo é muito mais uma questão de bom senso e humanidade do que de alguma força cósmica maluca que insiste em querer ficar nos ensinando coisas; acredito no ser humano que tem a coragem de aceitar sua covardia e, assim, vive muito mais corajosamente do que acredita; acredito que o altruísmo tem o seu lugar quando pararmos de freneticamente querer sermos feliz o tempo todo e simplesmente aceitar que ser humano é isso, eu, você, juntos, tristes, miseráveis, alegres, incertos, certos, errados, chorosos, risonhos, sem paz, com muita paz, bobos, sérios, incontroláveis, confusos, incuráveis, covardes e corajosos, enfim, felizes.

Por fim, acredito em textos assim, que fazem algum sentido, mas não todo, que têm alguma certeza, mas não muita, que têm argumentos, mas não os mais persuasivos, que terminam sem terminar, que concluem sem fechar, que fogem um pouco do foco, que fogem muito do foco, em textos assim, bem como a vida é. Não sei, no fundo, talvez eu não acredite mesmo é em redações. Não as com 30 linhas.