Por Karina Lubascher Miragaia
“Você é tão mais engraçada escrevendo”, foi o que ouvi de uma amiga um tempo atrás. Decidi escrever com mais freqüência. Decidi não, prometi. “Promessa de Ano Novo” foi. Promessa de Ano Novo tardia, fiz no dia 9 de janeiro. Prometi pra mim mesma, estou mais acostumada a me decepcionar. “Mas, promessas não se quebram!”. Não quando se tratam dos outros, fica chato explicar-se. Como já me expliquei pra mim milhões de vezes, eu sempre me desculpo. Ou, pelo menos, finjo que explico e finjo que me entendo. Até aí, tudo certo. Agora, voltando à promessa. Melhor, voltando à frase da minha amiga. Talvez eu concorde com ela. Com certeza eu concordo com ela. Eu concordo com ela em partes. Não “mais engraçada”, mas, “mais eu”. Talvez eu seja mais eu escrevendo. Engraçada eu não sou nunca. Não sei como alguém pode ser mais de si mesmo em certos momentos, mas talvez esse alguém possa, em alguns deles, ser só metade de si. Talvez, na frente dos outros, esse alguém realmente seja só metade de si, não fale muito, não se expresse muito, só observe, pra depois ter um turbilhão tagarela de idéias silenciosas pra colocar no papel. Péssimo hábito desse alguém. Ou, talvez, o “colocar no papel” seja somente projeção de quem esse alguém quer ser, mas não é. Esse alguém é um chato então. Mas, talvez, realmente seja mais fácil ser o todo de si quando sozinho consigo e, isso, creio ser comum a todos os alguéns. Sozinho não há medo de expressar-se, de expressar-se totalmente, nos seus podres, nos seus falsos, nos seus amargos. Mente quem diz ser assim na frente de todos. “Sou sincero”, dizem eles. Desculpa pra ser mal educado, inconveniente. Talvez seja “mais fácil” quando sozinho consigo, porque não há ninguém pra convencer, pra discutir, pra concordar, pra discordar ou pra argumentar além de si. E, como já disse, é sempre mais fácil auto entender-se. Escrever é estar sozinho consigo. Escrever é ser o todo de si. É colocar tudo pra fora, é pensar o que se quer, é falar o que se pensa, é ser autoritário. “Quem manda aqui sou eu e ninguém discorda de mim!”. “Ora, ainda podem discordar de você ao lerem seu texto”. Falou precisamente, “ao lerem”. Aí já não é mais escrever, é ler. Ler é, como diz essa minha mesma amiga, algo como “agora já foi”. Você já foi o todo de si, agora tem que lidar com as repercussões causadas pelos que só conhecem sua metade. “As palavras são lâminas de dois gumes, é falar e sujar-se”, disse Adélia Prado. Enquanto você escreve, ninguém opina, é um ato só seu. Enquanto os outros leem, eles opinam, é um ato só deles. Mas, sobre ler eu escrevo em outra ocasião. Escrever é expressar verdades, meias verdades, a busca pela verdade, é tentar achar pressupostos, é assumir pressupostos, é pôr pra fora o caos, é ter direito ao caos, é embelezar o caos, é ser você na palavra, é ser facetas do mesmo você em diferentes palavras, é ser você diferente em cada palavra, é ser o mesmo você em todas as palavras, é saber assumir na palavra o que não se sabe assumir na voz, é ser covarde, é ser extremamente corajoso, é a maneira como você enxerga os fatos, a maneira como você fecha os olhos pra eles, é vomitar parte de si que nunca mais voltará a te integrar, é saber que tudo o que você já escreveu sempre fará parte de você, é luta pra que entendam, mas é jogar a toalha pra deixar que desvendem o seu todo de si. “Não somente uma maneira especial de ver as coisas, senão também uma impossibilidade de as ver de qualquer outra maneira”, como bem disse Carlos Drummond de Andrade. Quem sabe ano que vem, no fim do mundo, eu prometa, “ao vivo”, não ser só metade de mim. Mas, esse ano, fiz a promessa de, escrevendo, ser mais de mim. E essa eu pretendo cumprir.