segunda-feira, 11 de abril de 2011

Onze de Abril

Porque me atravessou forte, me fez calar, sentir, chorar. Te amo, sem fim.

por Bárbara Dias Rigotti

Ontem eu a vi. Estava bonita. Unhas azuis, cabelo bem preto preso no alto, com um prendedor laranja, quase que num coque, calça e brinco da cor do esmalte, blusa cinza, all star branco. Vive reclamando de peso, vive reclamando. Mas nela eu vejo toda beleza. Não queria pegar chuva, colocou a blusa por cima da cabeça. “Meu cabelo vai armar”. Ah, ela é linda. Linda e inteligente. Penso que é injusto, mas não invejo. Muita qualidade. Tem defeitos, sim. Ela reclama e é palmeirense. Eu engulo.

Hoje ela faz vinte e um, ela! Ela que faz as coisas ficarem mais bonitas. Ela que diminui a tristeza e que faz imensa a felicidade. Ela que me irrita de vez em quando. Ela que eu sinto saudades quando passa mais de um dia longe. Ela me ensina. Ela ri de mim. Ela ri comigo.

Ela gosta de luxo, de casas bonitas, roupas caras, bairros nobres. Não faz questão, mas gosta. E que bom gosto. Que bom gosto. Música boa, boa leitura. Escreve como ninguém. Tem questões bem dela. E ela enxerga. Tão singular. Não, não é das mais falantes. Fala o necessário. Não gosta de gastar palavras em vão. Fala o necessário. Ela também não abraça muito. Ela ama muito, mas não abraça muito. Deixa.

A gente vive comentando dessa coisa de liberdade nos relacionamentos, essa coisa de deixar o outro seguir o caminho que quer. E eu acho certo. Deve ir pronde quiser. Mas, no fundo, eu tenho medo dela sumir. Não a quero longe, não. Tenho até ciúmes de qualquer pessoa suspeita a tomar meu lugar. Não, não, nem pensar.

“Ninguém tem o direito de te fazer sentir mal pelo que sentes.” Frase dela, do avô dela. É mais ou menos isso. Nela eu confio. Eu conto tudo, sem caô. Não preciso de rodeios. E quando eu me sinto vil e desprezível, ela me olha com amor, e me entende. Não dá pra entender, mas ela entende. E eu me sinto bem.

Hoje eu queria fazer algo especial com ela, algo como deitar na grama e olhar pro céu. Olhar pro céu é tão especial. Mas ela não deitaria na grama assim, tão fácil, tem bichinhos. Algo como fazer um brigadeiro bem gostoso e assistir um filme bom. Mas já fazemos isso com alguma freqüência. Algo como tomar um milk shake enorme de avelã. Ela adoraria, mas depois reclamaria que vai engordar (e eu só penso em comida). Algo como estar ao lado dela e respirar. É, é isso, estar com ela. Especial demais. “Eu tenho mesmo muita sorte”, me escapa alto um pensamento.

É estranho, eu não consigo descrever o que eu sinto por ela. É muito. E não dá pra falar sobre. Sinto que escrito diminui. Talvez porque eu não saiba escrever mesmo. Talvez porque ainda não inventaram esse sentimento. Tá feio, né?! Será que ela vai gostar? Nossa, tá muito feio. Logo ela que escreve tão bem, ela que fala pouco e diz tudo. Eu muito falo e nada digo, sou mesmo muito atrapalhada. Ela não merece isso, coitada. Tá torto, não faz sentido, não tem ligação de nada com nada, nem cheira bem. Credo.

Karina, eu te amo, desculpa, eu não soube dizer. Parece que amor é forte. Dizem que é. Se for mesmo, eu te amo. Por que o que eu sinto é bem forte. Arde e é do bom. Hoje você faz vinte e um. Grande coisa. Você é incrível, você me faz bem, você tem super poderes, você me atravessou. Parabéns. 


(Em http://babirigotti.blogspot.com/)

domingo, 10 de abril de 2011

A Verdadeira Obra do Espírito

Por Karina Lubascher Miragaia
 Junho/2010, ensaio para aula de Teologia Sistemática   

Ensaio com base nas leituras de A Verdadeira Obra do Espírito – Sinais de Autenticidade, de Jonathan Edwards e Na Dinâmica do Espírito – Uma Avaliação das Práticas e Doutrinas, de J. I. Packer

Quando se pensa no Espírito Santo e em sua obra na vida dos cristãos, frequentemente pensa-se em um ministério focalizado no indivíduo que crê, nas suas necessidades e na sua experiência emocional e sobrenatural. Os dons extraordinários, muito mais do que acompanhantes da obra, são evidências do nível de espiritualidade do cristão.
Ora, apesar dos aspectos positivos que essa perspectiva do movimento carismático trouxe a Igreja, é necessário que sejam considerados seus aspectos negativos e a deficiência que eles têm produzido na saúde espiritual do cristão como indivíduo e como comunidade. Deficiência, pois a centralização nas necessidades e experiências pessoais padronizadas tem tido um fim em si mesmo e distorcido a imagem e o conhecimento do cristão acerca de si e acerca do outro, abrindo assim caminho para a presunção e julgamento incorreto da verdadeira obra do Espírito Santo. Para tentarmos mudar essa visão, ou pelo menos começarmos a, é necessário resgatar justamente a idéia de qual seja essa verdadeira obra do Espírito, pregada há muito por Cristo, e de como ela atua na vida da Igreja através da graça comum. Portanto, é necessário resgatar o ministério do Espírito que é centralizado em Cristo e a superioridade da graça comum sobre as manifestações sobrenaturais.
À pessoa do Espírito Santo e à sua obra tem sido dada muita relevância no meio evangélico hoje. Não é preciso procurar muito por evidências do movimento carismático, pois a nossa própria vivência em nossas comunidades locais já nos insere nessa realidade. Como característica desse movimento, temos um derramar do Espírito Santo comprovado por uma experiência padrão: a busca por dons sobrenaturais, como os de cura, de línguas, profecias, além de grandes manifestações sobrenaturais com impulsos e impressões na mente que revelam os mistérios de Deus e a Sua Palavra e dão direcionamentos específicos. Manifestações físicas e fortemente emocionais são a exteriorização do derramar do Espírito e, quanto maiores, significam que maior abertura deu o indivíduo ao mover de Deus. Olhando para um período de culto, o foco não é a reflexão teológica da Palavra, mas momentos que levem às experiências padrões, pois elas são o indicativo de um dirigir do Espírito. Juntamente com a experiência padrão, vem também uma expectativa padrão: espera-se que o Espírito Santo esteja sempre interessado em aliviar os meus incômodos, em suprir as minhas necessidades e, de vez em quando, os meus caprichos, em me dar livramento de tribulações de certa gravidade, em me conduzir a uma adoração livre, espontânea e emocional e em me mostrar um Cristo que é a resposta dos meus questionamentos pessoais. Consequentemente, é esse o Cristo e o Cristianismo que eu prego: uma experiência subjetiva e ansiolítica em sua essência.
Não podemos descartar os aspectos positivos que o movimento carismático trouxe a Igreja. J. I. Packer, em sua obra Na dinâmica do Espírito Santo – uma avaliação das práticas e doutrinas, de maneira geral, lista 12 deles: a centralização de Cristo, a vida no poder do Espírito, a emoção que encontra expressão, a oração, a alegria, o envolvimento de todos os corações na adoração a Deus, o ministério de todos os membros no corpo de Cristo, o zelo missionário, o ministério de pequenos grupos, a atitude diante das estruturas eclesiásticas, a vida comunitária e a contribuição generosa [1]. O resgate dos dons espirituais, uma adoração mais livre e uma percepção mais pessoal de Deus realmente são características válidas na vida da Igreja, assim como a busca por uma dependência maior do Espírito Santo. Quando tudo isso traz uma vivificação na vida espiritual da comunidade cristã, de modo que a faça buscar mais a face de Deus, podemos perceber a atuação do Espírito. Mesmo quando algumas atitudes vêm acompanhadas de certos exageros emocionais, não se pode desconsiderar uma influência do Espírito verdadeiro, pois quase nunca o ser humano não é levado a distorções, ainda mais quando o assunto é de natureza sobrenatural.
Entretanto, junto com as características positivas, podem ser detectados também alguns aspectos negativos quando olhamos para nossa vivência cotidiana e contemporânea da vida espiritual da Igreja. Pensando nos dons e manifestações sobrenaturais característicos desse movimento, Packer também lista 10 aspectos negativos da experiência carismática: elitismo, quando as experiências sobrenaturais dão a sensação de haver uma “aristocracia espiritual” na comunidade; sectarismo, quando a comunidade limita a envolver-se, dentro da igreja e secularmente, somente com outros que pensem a ajam da mesma forma que ela; emocionalismo, quando a manipulação emocional supera uma emoção sadia; anti-intelectualismo, quando a experiência sobrenatural carece e coloca em segundo plano o estudo reflexivo da Palavra, o que muitas vezes causa infantilidade na exposição bíblica; iluminismo, quando os impulsos da mente e revelações por profecias deixam seus ouvintes vulneráveis, manipuláveis e sem senso crítico com base na Palavra; carismania, quando o critério para se medir a espiritualidade do cristão é dado pelo sensacionalismo dos dons e suas manifestações públicas; super-sobrenaturalismo, quando desconsidera-se e até desaponta-se com qualquer obra de Deus que não seja sobrenatural; eudemonismo, quando o “sentir-se bem” e a euforia são sempre o fim da obra do Espírito; obsessão por demônios, quando todos os problemas e pecados são ligados à ação de Satanás; e, finalmente, conformismo, quando a comunidade novamente se escraviza a experiências que supostamente confirmam a ação do Espírito [2].
Embora, como dito acima, nenhum tipo de experiência cristã esteja livre de fraquezas e exageros e, muito menos, nenhuma experiência cristã é somente válida quando não-carismática, é facilmente perceptível que os aspectos negativos do movimento carismático mantêm a igreja num grande nível de imaturidade em seu pensar e agir. E, quando a imaturidade se estende por um longo período de tempo, o crescimento saudável da igreja fica comprometido. Frequentemente, a experiência subjetiva do ministério do Espírito Santo vem  mascarada de uma grande valorização da terceira pessoa da Trindade, mas que, entretanto, valoriza mais o cristão que o próprio Espírito. Assim, vê-se que a busca pelo Espírito e suas dádivas, ao invés de buscar a glorificação de Cristo, torna-se um meio para o suprimento de necessidades e para o alcance de desejos e objetivos pessoais. Quando esse alcance é o fim de todo o mover espiritual, não há mais um fim em Cristo, mas um fim em si mesmo. E quando Cristo não é mais o fim de todas as coisas, raramente pode-se ter um Cristo que é Senhor.
Uma visão mais equilibrada e centrada em Cristo, portanto, da verdadeira obra do Espírito Santo é o que Packer chama de “ministério do holofote” [3]. Ora, quando a iluminação e a focalização de um edifício são bem feitas, sabe-se que os holofotes estão colocados de forma estratégica a fim de que não sejam vistos enquanto permitem que o edifício seja visto de forma adequada e em sua totalidade. Da mesma forma, todo o objetivo da obra do Espírito é a visão adequada de Cristo, de sua obra salvífica e de seu senhorio de forma que, mesmo sendo Deus, o Espírito não tome a glória para si, mas a dê para Cristo. Como o próprio Packer diz, o Espírito nunca falará “olhe para mim, escute-me, conheça-me”, mas, sempre, “olhe para ele, escute as palavras dele, conheça a ele, tenha vida nele”. Exclui-se, portanto, toda obra que seja focalizada no suprimento de qualquer experiência ou expectativa padrão dos cristãos. Packer diz que “(...)o Espírito está aqui para glorificar a Cristo e sua tarefa principal e constante é intermediar a presença de Cristo para nós, tornando-nos cônscios de tudo o que Jesus é, de forma a confiarmos que ele será tudo isto para nós” [4]. O próprio Jesus diz isso quando fala da obra do Espírito na última ceia. João 16. 13 e 14 registra muito bem isso, quando relata Jesus dizendo que “(...)quando o Espírito da verdade vier, ele os guiará a toda verdade. Não falará de si mesmo; falará apenas o que ouvir, e lhes anunciará o que está por vir. Ele me glorificará, por que receberá do que é meu e o tornará conhecido a vocês”. Portanto, um primeiro momento da verdadeira obra do Espírito no cristão é a focalização correta de Cristo.
Consequentemente, quando o Espírito me leva a considerar corretamente a Cristo, me leva a um segundo momento de sua obra: a consideração correta de quem eu sou e de quem o outro é. Calvino, em suas Institutas, diz que o conhecimento de Deus e o conhecimento de si estão muito unidos e entrelaçados, de forma que não é tarefa fácil distinguir qual origina e precede o outro. Portanto, quando o Espírito me leva a conhecer a glória, a santidade, a graça, a misericórdia, a humildade e o amor divino através de Cristo e da cruz, me leva também a conhecer a minha pecaminosidade, deficiência, humanidade, finitude, fragilidade e necessidade diária de um salvador. Ter uma visão mais límpida de quem Cristo é e de sua obra salvadora na cruz é ter uma visão mais límpida a cerca de si mesmo. Esse é o conceito da verdadeira santidade. É exatamente por isso que podemos dizer que a centralização do indivíduo e das suas necessidades distorce a imagem que ele tem de si, pois quando o foco ou o parâmetro de santidade não é mais Cristo, não tenho mais com o que contrastar a minha pecaminosidade, portanto, não tenho mais uma visão correta e bíblica de quem sou eu. Quando as minhas necessidades, os meus desejos, os meus egoísmos e as minhas experiências passam a ser o foco, passo a me ver de forma egoísta, o que me abre caminho ao orgulho e à presunção. Da mesma maneira, quando tenho uma imagem distorcida de mim, tenho uma imagem distorcida do outro, pois a partir do momento que experiências e expectativas padrão passam a ser o indicativo de santidade e espiritualidade, eu diminuo e desprezo quem não as tem e, muito pior, considero como a voz de Deus quem as tem, o que me leva de volta a todos os aspectos negativos já considerados. Ao contrário, como já dito, a verdadeira santidade vem da percepção correta de quem Deus é e, consequentemente de quem eu sou e de quem o outro é. Vale ressaltar o conceito que Packer traz sobre a verdadeira santidade: “aumento de santidade significa, entre outras coisas, aumento de sensibilidade para o que Deus é e, consequentemente, uma avaliação mais clara da própria pecaminosidade e das limitações particulares, e daí um reconhecimento intensificado da constante necessidade da misericórdia perdoadora e purificadora de Deus. Todo o crescimento em graça é crescimento para baixo, a este respeito” [5].
Por último, a maneira pela qual o Espírito me leva maturamente a essas duas considerações, a de quem Cristo é e a de quem eu sou, é através do que Paulo considera como superior à busca de dons e manifestações sobrenaturais e chama de “um caminho sobremodo excelente”: a influência do Espírito através da graça comum. Na carta de I Coríntios, Paulo fala da imaturidade e infantilidade da igreja que, mesmo tendo abundância de dons espirituais, os usava de forma desorganizada e exagerada, portanto, no capítulo 13, passa a lhes mostrar um caminho superior. Ele considera a fé, a esperança e amor superiores a qualquer tipo de inspiração sobrenatural, sendo que o maior dos três é o amor. Jonathan Edwards, em sua obra A Verdadeira Obra do Espírito – Sinais de Autenticidade, fala que “ao longo de todo capítulo, ele (Paulo) mostra a grande preferência da graça sobre a inspiração. Deus transmite sua própria natureza à alma mediante a graça salvífica no coração, mais do que por meio de todos os dons miraculosos” [6]. Nisto consiste a graça comum: na caridade ou no amor divinos, que são mostrados na quietude e na simplicidade, num sussurrar do Espírito aos corações contritos e humilhados dos santos na presença de Deus. Sendo, portanto, graça comum, favor imerecido, demonstração do amor de Cristo que só vem através do próprio Cristo e demonstração de um amor salvífico em um coração pecaminoso, todo o motivo de glória e presunção por causa de inspirações sobrenaturais é excluído. Edwards fala que “a imagem bendita de Deus consiste em graça e não em dons” [7]. E isso é um sinal de maturidade na vida do cristão, pois o próprio Paulo fala no capítulo 13 de sua primeira carta aos coríntios, quando está discorrendo sobre a finitude dos dons sobrenaturais, que “quando era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino”. O próprio Jesus também fala que a verdadeira felicidade dos discípulos não consistia em que expulsassem demônios, mas sim na graça que eles haviam recebido com a vida eterna. Muito maior é seguir a graça comum de Deus do que, como Edwards diz, “um fogo transitório”. Qual é, portanto, a finalidade dos dons extraordinários se não uma influência santificadora do Espírito? Vale a pena também citar uma última frase de Edwards: “de minha parte, preferiria desfrutar durante quinze minutos das influências comuns do Espírito – mostrando-me a divina beleza espiritual de Cristo, sua infinita graça e seu amor sacrificial, estimulando o santo exercício da fé, do amor divino, da amável benevolência e do humilde regozijo em Deus – a ter visões e revelações proféticas o ano inteiro” [8].
Portanto, é necessário que resgatemos como indivíduos e como comunidade a concepção correta de qual é verdadeira obra do Espírito Santo na vida da Igreja. Ela é, pois, a glorificação de Cristo e de sua obra na cruz que me leva à consideração correta e madura de quem Ele é e, de quem eu sou e de quem o outro é. E tudo isso só é possível através da influência da graça comum do Espírito em nossos corações. Que possamos, como Paulo, quando estava comparado todos os seus feitos humanos com o conhecimento de Cristo, dizer:

“Se alguém tem razões para confiar na carne, eu ainda mais (...). Mas, o que para mim era lucro, passei a considerar como perda, por causa de Cristo. Mais do que isso, considero tudo como perda, comparado a suprema grandeza do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor, por quem perdi todas as coisas”.
                                                                              Filipenses 3. 4b, 7 e 8


[1] PACKER, J.I. Na dinâmica do Espírito Santo – Uma avaliação das práticas e doutrinas. São Paulo: Vida Nova, 2010, pgs. 180 a 185
[2] Ibid, 2010, pgs. 186 a 191
[3] Ibid, 2010, p. 62
[4] Ibid, 2010, p. 63
[5] Ibid, 2010, p. 103
[6] EDWARDS, Jonathan. A Verdadeira obra do Espírito – Sinais de Autenticidade. São Paulo: Vida Nova, 2010, pgs. 89
[7] Ibid, 2010, p. 89
[8] Ibid, 2010, p. 92