sábado, 24 de dezembro de 2011

Soli Deo Gloria

Por Karina Lubascher Miragaia


A cultura, quando perde seu sentido sagrado, perde todo o sentido. Com o desaparecimento do sagrado, que colocava limites a todas as perfeições que poderiam ser alcançadas pelo profano, faz levantar uma das mais perigosas ilusões de nossa civilização – a ilusão de que não há limites para as mudanças pelas quais a vida humana pode passar. De que a sociedade, em princípio, é uma coisa indefinidamente flexível. - Kolakowsky


Mudaria o Natal ou mudei eu? – Machado de Assis


Por muito tempo achei arrogante a ideia da glória de Deus. Ela competia com a minha glória. Se você não se curvar, você não fica livre, poetizou ela. Os limites da perfeição me eram obscuros e essa era a minha prisão. Miserável homem que sou.


Descobri que a graça só nasce quando o profano é esmagado pelo sagrado. Toda vez que eu glorifico a Deus, deixo de glorificar a mim mesmo e isso é liberdade, liberdade das garras da perfeição que me sufocavam. A glória de Deus me libertou da minha e, isso, é graça. Olhar pra glória de Deus é reconhecer um ponto externo além de si, ponto que dá sentido aos olhos que se perderam no caminho do absurdo. Ah, não se engane, sentido só há quando os olhos têm mais de um ponto pra olhar.


O infinito de Deus na fragilidade de uma criança. Esse fato único ultrapassa todas as dimensões humanas. O sentido se fez carne. O único sentido se fez carne. A glória se fez carne. Se fez carne numa manjedoura. É o grande Deus encarnado no chão sujo da humanidade e foi essa glória humilde me quebrou. A humildade dele fez a minha. Longe do palácio, o sentido além de mim, o sentido que me ultrapassa se fez carne e está no caminho pra Belém.


Quando a conexão com a graça é cortada, fatalmente o homem cai numa prisão narcísica. A ordem de glorificá-lo é reconexão do absurdo do ponto único, a ordem de glorifica-lo é forçar o olhar perdido que olhava só pra si para o único ponto capaz de verdadeiramente dar olhos de carne e humanizar. Quem olha pra ele é livre. A ordem de glorifica-lo é graça.


Glorificar é trazer a presença. De que maneira eu O percebo em meus caminhos e de que maneira eu O projeto nos caminhos do próximo. De que maneira eu aponto o sentido há muito perdido.


Naquela manjedoura nasceu minha esperança. Nasceu a glória que me ofuscou os olhos e me feriu a alma. Naquela manjedoura, minha libertação. A glória que me curou a alma e me fez ver, me desglorificou. Fui eu, eu quem mudei, Machado. A glória do Cristo me humanizou. Não há nada além de graça no Deus que ordena glória, pois é nisso que ele oferece sentido. E o meu sentido está no caminho pra cruz. Soli Deo Gloria.


Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade.